A Natureza da Cidade

INTERVENÇÃO NO ARTECIDADE 3
Fernando de Mello Franco
Milton Braga


As áreas entre a Estação da Luz e as ruínas da antiga fábrica da Matarazzo, representam um pequeno fragmento de uma estrutura que perpassa toda a metrópole de São Paulo. Estrutura diversificada onde se sobrepõem acidentes naturais, construídos, reconstruídos.

Caracterizados como elementos fundamentais da geografia urbana, os rios, várzeas, vales, vias expressas, vias férreas, entre outros, demarcam verdadeiras grafias no território. Seguir estes traços, através de um percurso pela "cidade e suas histórias", é também arriscar-se pelas suas perspectivas e promessas. Promessas amparadas por estas pré-existências do território, em estado latente e expectante.

Nossa intervenção, experimentação lúdica a respeito de idéias para a cidade, discorre sobre a pertinência em se deslocar o foco das atenções urbanísticas. Uma ordem urbana sustentada por monumentos, por lugares marcantes, não é mais capaz de organizar o espaço metropolitano. Esta escala tornou-se pequena, insuficiente. É preciso substantivar não apenas os pontos focais, mas principalmente suas articulações, as linhas de ligação, locais onde se dá o movimento, cada vez maior e preponderante, o qual favorece uma leitura menos fragmentada do conjunto da metrópole.

O enfrentamento desta nova dimensão remete o olhar para os elementos infra-estruturais, onde seus canais de deslocamento devem ser delineados, os vazios remanescentes incorporados e sua estrutura primeira, o chão da cidade, há que ser desenhado.

E para que a relação do canal ferroviário com a cidade seja uma relação de simpatia, é preciso estabelecer uma zona de intermediação entre seus trilhos e o tecido urbano tradicional, das casas, do comércio. Margens, com a largura oportuna em cada ponto, que reforcem o caráter linear e contínuo da ferrovia e consequentemente sua escala. Espaços cuja qualificação tenha menos o compromisso com uma destinação pré-determinada, mas que se apresentem como lugares à disposição para experiências não cotidianas. Espaços para deambular, para não fazer nada premeditado, para experimentar o imprevisto. Espaços para que se veja a cidade vizinha, e a cidade inteira, como um todo, na passagem do trem, através da experiência/consciência da extensão de seu percurso.

Como tal, o trabalho consiste em uma “topografia construída”, um terrapleno sobre uma área aproximada de 2.600 m2, envolvendo um corte e aterro de cerca de 2.000 m3 de terra. Seu desenho é resultante de uma geometria rigorosa em intersecção com a irregularidade do terreno existente. Implantado defronte ao Edifício das Caldeiras das Indústrias Matarazzo, é orientado no sentido leste-oeste, de forma a apontar para o grande vazio ainda disponível.

Os precisos 150m de extensão têm como função conferir uma unidade de medida para o local e ao mesmo tempo garantir a possibilidade, em prercorrê-los, de afastamento e de aquietamento, novamente, do movimento de ocupação das ruínas resignificadas e reutilizadas pelo evento.

Esta dimensão impede uma apreensão total, dificulta um único enquadramento fotográfico. É necessário se afastar para compreender a geometria que delineia o trabalho. O distanciamento, só possível através de um sobrevôo ou através da imaginação, remete para a compreensão das geografias naturais e edificadas da cidade, e revelam as camadas sedimentares resultantes do processo contínuo de sua construção.

Sobre a várzea, a implantação do ramal ferroviário e do império fabril da Matarazzo. Sobre suas ruínas, o depósito de entulhos provenientes de tantas outras demolições. Sobre este “terreno vago”, nosso terrapleno, natureza urbana edificada, a estabelecer mais um registro na cartografia e narrativa da cidade.